A relação entre ética e ontologia na filosofia de Gilles Deleuze
Certa vez, Deleuze (1990, p. 185) disse que, em sua filosofia, tudo tendia para uma “grande identidade Espinosa-Nietzsche”. O mesmo se aplica ao que se poderia chamar de uma ontologia e de uma ética deleuzianas. Todavia, que exista uma ética e uma ontologia em Deleuze já é um enunciado que exige demonstração. Em trabalho anterior, fez-se um esforço no sentido de dar consistência à primeira metade deste enunciado: há uma ética em Deleuze e ela se define pela fórmula “um corpo que avalia e experimenta” (Barbosa, 2012). Na presente pesquisa, pretende-se tratar da segunda metade do enunciado, a partir de duas hipóteses: há uma ontologia em Deleuze e, além disso, ela é inseparável da ética deleuziana. É em função desta segunda hipótese que se justifica a opção por tomar como fio condutor da pesquisa as leituras que Deleuze faz de Espinosa e Nietzsche, visto que são estes os dois autores que mais o inspiram em sua ética, sem que se desconheça, no entanto, a grande influência de outros pensadores em sua ontologia, como Bergson, por exemplo. Tampouco se ignora que um dos maiores comentadores de Deleuze, a saber, Zourabichvili (2004, pp. 6-10), tenha recusado veementemente que haja uma ontologia em Deleuze, admitindo, no máximo, uma “ontologia evanescente”, subvertida ou, compreendida como doutrina do ser, conduzida à autoabolição. Nossa hipótese, no entanto, é que há ontologia em Deleuze, sem que, de fato, se trate de uma doutrina do ser. Esta ontologia, a ser explorada em detalhe, é ademais indiscernível da ética em Deleuze: não apenas a ontologia é a condição incondicionada da ética, o que já se nota em Espinosa, como também a ética seria a condição prática da ontologia, novidade que Deleuze traz à tradição inaugurada por Espinosa – este sendo o primeiro filósofo, segundo o próprio Deleuze, a considerar a ética um correlato da ontologia.