Materialismo sagrado
Partindo da concepção aristotélica de “matéria” (hýle), ligada às noções de “indeterminação”, “potência”, “subjacente”,“proveniência e destino de toda geração e corrupção”, o presente projeto pretende questionar a subordinação que o estagirita estabelece desse conceito relativamente ao conceitode “forma” e, consequentemente, o enquadramento que ele faz dos filósofos pré-socráticos, esses “materialistas” por excelência. O próprio texto aristotélico apresenta exposições de opiniões alheias e argumentos (p.ex. Física II5-8, Metafísica IV4-8) que, embora não encontrem o endosso de seu autor, permitem conceber o materialismo como ontologia plena e não marcada pelo signo da insuficiência. Se o princípio material é concebido como vivo e divino, como é o caso do ápeiron de Anaximandro e talvez da maior parte dos princípios dos demais fisiólogos, e não apenas como passivo e inerte, então parece não ser necessário reclamar por causas eficientes, formais e finais extrínsecas à própria matéria. Interessante também ao presente projeto serão os textos e argumentos produzidos no período posterior a Aristóteles que caminhem no sentido de uma concepção hilozoísta, semelhante à pré-socrática, como a da filosofia estoica, que, embora postule dois princípios, a matéria (hýle) e a razão na matéria (logos en te(i) hýle(i)), pode ser considerada um monismo qualificado, pelo fato de o segundo princípio ser inerente ao primeiro. O fato de esse lógos ser entendido como a presença de deus ou demiurgo na matéria sugere que o páthos diante de tal concepção não seja o do orgulho positivista,como sói ocorrer diante de muitos autoproclamados materialismos ao longo da história da filosofia, mas o de certa reverência diante de certo sagrado.